segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

A Bruxa das Flores


Mais uma manhã de cantos de pássaros e maricotas, meus vizinhos mais ativos, mas hoje faz calor... Ainda assim logo chegam aqueles que vem buscar minha magia e o encanto das flores, herança de minha mãe e avó que hoje são um com a terra. Sempre a mesma coisa, peço para ao jardineiro Sebastião dizer às pessoas para esperarem no jardim. Da janela fico observando onde se sentam. O homem que sentou de costas para as margaridas tinha uma mente estreita e muita dificuldade para expressar o seu Amor, e isso doía tanto nele quanto naqueles que amava... A mulher que rondava o canteiro de alegrias não conseguia ser espontânea, e tinha bloqueado seu fluxo criativo. O casal que tirava fotos debaixo do pé de primavera tinha muitas dores em suas infâncias e, apesar de se amarem, se machucavam sem saber exatamente o porquê. Faço sempre o que ensinaram minhas ancestrais. Sebastião também já sabe o que fazer, arranca algumas flores e traz pra mim que massero, e misturo com óleo essencial e pó de bruxa, enquanto oro a oração que ecoa nas minhas raízes, e mando esfregarem onde sentem que mais "dói". No braço onde pegaram pra jogarem pra rua, nas têmporas onde a memória leva o sono embora, no peito onde a saudade cava um buraco... Quando saio da casa muitas pessoas ficam surpresas! Esperam uma senhora com ares de sabedoria, e veem um senhor grisalho de barriga grande que sorrindo cumprimenta dizendo "bom dia!"... Eu sempre conto a mesma história, de que a Bruxa das Flores é como ficou conhecida minha avó e depois minha mãe, que não vendo interesse das mulheres mais jovens da família para os pendores místicos de nossa ancestralidade, viu em mim, que conversava com as flores, o herdeiro de uma tradição espiritual que se perdia na neblina do tempo, e da nossa história! Agora a Bruxa das Flores era a casa onde essa nossa história prosseguia. Muitos voltam só pra dizer que estão muito melhor e agradecer. Outros trazem amigos, e há muitos que nunca mais vi. O casal que se feria veio mostrar que tiveram filhos, que diziam terem nascido agora do verdadeiro Amor, e também do perdão... Nesse dia minha alma sorriu pra eles mais que a minha boca! Minha trajetória tem dessas alegrias de salvar sonhos, e vidas através deles, com o encantamento das flores...

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Vago Noturno


Há um quê de vazio vivo na noite e as pessoas se dividem entre fugir ou entregar-se a ele! Há um caminho oculto que quase ninguém vê, e que nos conduz a verdade que não se mostra aos olhos que não entendem a profundidade das coisas... Por ondas dos tempos, dos séculos aos dias, os que desvendaram seus segredosI deixaram registros aos que terão olhos para ver no futuro a essência bruta e sagrada da vida!


 

Caminho em Flor

 


Havia sempre aquele caminho onde os musgos haviam tomado conta das lajes, e que adornado pelas flores lilases dos jacarandás, parecia uma trilha mágica que conduziria a um castelo de gnomos em meio a cidade... A rua Felipe Neri parece mesmo, um recanto de floresta em meio a Porto Alegre, com pés de laranja doce, goiaba, amora, e pitanga e sombras amigas no verão, e bruxuleantes no inverno, com caminhos que sussurram segredos e melodias a quem sabe ouvi-los na poesia agreste dos dias...

*Imagem: Bar do Nito, na esquina da Felipe Neri com Lucas de Oliveira, bairro Auxiliadora.

sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Limão


E dentro do coração tinha uma pedra, e dentro da pedra um limão, e de dentro do limão um suco amargo... Quebrei a pedra, rolei o limão, o suco amargo bati com açúcar e creme de leite E fiz da raiva doçura, e da amargura perdão, e servi creme doce de aceitação, e comi com quem me feriu, como se fôssemos irmãos!

terça-feira, 18 de julho de 2023

Estatuto


Quando o cansaço é enorme.
desses que faz o sono parecer um desabe mais que um repouso... E faz a vida parecer uma estrada sem fim, é que se deve lembrar que ruir ou prosseguir é uma escolha que ninguém pode, ou deve, fazer por nós... E eu decidi prosseguir...

terça-feira, 9 de maio de 2023

A Rua dos Feiticeiros


Era uma rua sem saída que já tinha se transformado numa atração turística da cidade. Havia ali a maior concentração de leitores de oráculos, feiticeiros, mandingueiros do amor, curadores espirituais e terapeutas da Nova Era... Na entrada havia um portal, sem nenhum aparelhamento de segurança ou câmeras. Apenas uma velha sineta de latão que se não fosse tocada simplesmente o portão de ferro não abria. Havia aqueles que diziam que era para que os bruxos soubessem que tinha gente pelas ruas, e de que a sineta era enfeitiçada. As casas eram, em sua maioria, sobrados antigos de dois ou três andares com quatro ou seis pequenos apartamentos. Na frente de cada um jardins bem cuidados e muros baixos com pequenos portões. A primeira casa era um sobrado pintado de amarelo com detalhes em branco, que todos conheciam como a casa dos cartomantes. Ali viviam leitores de baralho de tarot e cartas comuns, homens e mulheres de todas as idades. O mais velho era Sabino, de noventa e um anos, que usava o tarot com impressionante sabedoria e precisão, e a mais nova Luzia de trinta anos que lia cartas do baralho comum como quem traduzisse textos de uma língua estranha aos que a procuravam... Na frente ficava a casa das flores, ou das ervas, feita de pedra crua e janelas vermelhas. Ali ficavam aqueles que indicavam, vendiam ou ensinavam sobre chás, banhos de ervas, unguentos mágicos e sobre as essências florais

A casa dos astrólogos ficava exatamente no fim da rua. Um grande casarão em tons de azul com um sótão de janelas sempre abertas, onde os gatos saíam para tomar sol. Ali morava dona Urânia e seu filho Proteus, eram consultores e professores dos mistérios dos astros, e alguns alunos estagiavam morando com eles na casa por um tempo. A casa das bruxas era mesmo uma casa em estilo colonial, com o jardim mais florido da rua, onde as crianças aprendiam sobre a história das plantas e seus potenciais mágicos. Haviam meninos e meninas, filhos dos dois casais que viviam ali com dona Brígida. Eram o filho e a filha dela e suas respectivas famílias. Naquela casa se desfaziam feitiços de magia negra e se confeccionava amuletos de ervas e pedras para proteção, rituais de fertilização para casais que queriam ter suas famílias... Havia também a casa do profeta, o velho Milo que era cego e vivia com sua filha. Ele tinha visões sobre o futuro das pessoas só de estar na presença delas! A casa do amor de dona Abigail, que tinha o dom de atrair o amor para todos os que se sentiam infelizes nesse setor da vida, era pequena e pintada de verde água com janelas verde escuro. Na rua tinha a casa dos gnomos, que era onde muitas pessoas avistavam esses elementais nas fotos que tiravam do jardim, que era também um santuário de borboletas de cores intensas. Ali os pães de dona Ceres e do seu marido o senhor Aristeu eram os mais saborosos de toda cidade, e eles quase não davam conta de tantas encomendas! Havia uma lenda que os elementais ajudavam a potencializar o sabor dos ingredientes, e seus efeitos na confecção dos pães e bolos que faziam...

Assim que caía a noite a rua tomava ares nebulosos e poucas pessoas se aventuravam a passear por ela. O portão muitas vezes emperrava, e misteriosamente o badalo do sino desaparecia! A rua dos feiticeiros, ou rua dos bruxos virou uma espécie de mundo mágico dentro da cidade. Parada obrigatória para qualquer um que quisesse um passeio diferente e cheio de história, ou que tinha interesse ou necessidade de conhecer o trabalho daquelas pessoas. Nenhum deles agia como uma celebridade metafísica ou como alguém que tinha sua paz perturbada. Eram sempre sorridentes com os visitantes, alguns conversavam em frente aos portões, e até posavam para fotos com os turistas. Com o tempo o nome que remetia ao mundo da magia e da espiritualidade se tornou quase que seu nome oficial, que esse sim era desconhecido, e um mistério ignorado pois que estava escrito bem no alto do portal de entrada. O nome da viela de encantos e magia era Alameda do Amor.

segunda-feira, 24 de abril de 2023

Coisas do Frio...


Se me perguntam o que mais gosto
com a chegada do frio,
eu digo que são as mesas e as horas do café,
da manhã e da tarde.
As cozinhas que cozinham e aquecem,
e por fim nutrem.
As janelas também, sobretudo
as que dão para ruas com suas árvores,
ou que trazem súbitos ventos frios,
ou que revelam místicas neblinas
nas manhãs, ou chuvas
(cada vez mais sagradas) pelas tardes...
Tem algo nessas coisas do frio
que me aquecem, e aconchegam
ao ponto de extrair de mim poesia
ou essas reflexões que não sei de onde vêm
ou para onde vão,
e muito menos se servem a alguém.

A Bruxa das Flores

Mais uma manhã de cantos de pássaros e maricotas, meus vizinhos mais ativos, mas hoje faz calor... Ainda assim logo chegam aqueles que vem b...